quarta-feira, 4 de abril de 2012

Resenha de Occupy, lançado pela Boitempo Editorial


Occupy discute dilemas do movimento
ELEONORA DE LUCENA
DE SÃO PAULO
Crítica Artigos, Folha de São Paulo, 04 de abril de 2012. [disponível para assinantes em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrada/35061-occupy-discute-dilemas-do-movimento.shtml)

Coletânea faz um retrato em grande-angular dos protestos que surpreenderam o mundo

Desemprego em alta, salários em queda. Governos salvando bancos e arrochando populações. Escassez de democracia e desencanto com a política partidária.
Com esse pano de fundo, multidões foram às ruas em cidades tão díspares como Cairo, Atenas, Madri, Nova York, Santiago e Londres.
Buscando analisar esses movimentos distintos, filósofos, sociólogos, historiadores e jornalistas de esquerda (Tariq Ali, David Harvey, Slavoj Zizek, entre outros) escrevem em "Occupy". São 11 textos curtos e engajados. Tentam identificar conexões entre os protestos e discutir os seus dilemas futuros.
Muitos foram feitos no calor das manifestações e guardam o tom apaixonado dos discursos. A maioria já havia sido editada antes em sites, blogs e outras publicações.
Mas a falta de ineditismo não tira o interesse da coletânea, que também traz fotos e pôsteres dos atos públicos.
Da Universidade da Califórnia, Mike Davis fornece alguns dados: 4,5 milhões de empregos industriais perdidos nos Estados Unidos desde 2000; metade do patrimônio líquido dos afro-americanos evaporou desde 1987 – para os latinos, a perda foi de dois terços.
Davis se lembra de quando ele planejou, em 1965, na esteira do movimento pelos direitos civis nos EUA, a invasão do prédio do Chase Manhattan Bank, em Nova York, então tido como "parceiro do apartheid" sul-africano. Sua comparação: "Nossa ocupação há 46 anos foi uma incursão de guerrilheiros; a de agora é uma Wall Street sob o cerco dos liliputianos".
Para o sociólogo Immanuel Wallerstein, doutor pela Universidade Columbia, é preciso pensar nos desdobramentos dos protestos: "Para transformar o mundo, a esquerda mundial precisará de um grau de unidade política que ainda não alcançou", escreve. Aí entra o debate sobre participação em partidos e eleições. Afinal, apesar da multidão na praça, a direita ganhou na Espanha.
No mesmo diapasão, o filósofo Vladimir Safatle, colunista da Folha, afirma: "Talvez os manifestantes tenham entendido que a democracia parlamentar é incapaz de impor limites e resistir aos interesses do sis­tema financeiro".
No entanto, argumenta que esse cansaço em relação aos partidos convencionais "não é sinal do esgotamento da política", mas de "uma demanda de politização da economia".
No conjunto, o livro tenta fazer um sobrevoo nos protestos, mas carece de informações mais detalhadas sobre a diversidade enorme entre os movimentos.
Não analisa o perfil dos manifestantes nem de suas relações com partidos e com movimentos sindicais.
Na Grécia e em Portugal, por exemplo, é forte a presença de partidos comunistas. No Egito, a Irmandade Muçulmana é personagem essencial. Nos EUA, uma ação conjunta entre o Occupy e os sindicatos paralisou o porto de Oakland (Califórnia). A obra não mergulha em nada disso.
A coletânea pode ser considerada incompleta, mas tem o mérito de apontar as principais linhas para fazer um retrato em grande-angular dos movimentos que surpreenderam o mundo.
E que prometem continuar, apesar das desocupações e desmobilizações. Basta ver o que aconteceu na Espanha no fim de março.

OCCUPY
AUTORES Slavoj Zizek, Tariq Ali, Vladimir Safatle e outros
TRADUÇÃO João Alexandre Peschanski, Lucas Morais e outros
EDITORA Boitempo e Carta Maior
QUANTO R$ 10 (papel; 88 págs.) e R$ 5 (e-book)
AVALIAÇÃO bom

Leia trecho do livro em
folha.com/no1071085